A política de Educaçãp Superior Pública
Jolinda de Moaes AlvesTexto completo em: http://www.ssrevista.uel.br/c_v5n1_Jo.htm
A educação, na legislação brasileira, é concebida como um direito fundamental, universal, inalienável e um instrumento de formação ampla na luta pelos direitos da cidadania e pela emancipação social. Nessa perspectiva, a educação se compromete com a formação integral do ser humano, alcançando todas as dimensões de sua relação com a sociedade.
No Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001), o ser humano é visto como ser ativo, crítico, construtor de sua própria cultura, da história e da sociedade em que vive. Para tanto, é imprescindível seu acesso a uma escola que, além de formação ampla, desenvolva valores e atributos inerentes à cidadania. Tal escola se opõe àquela que vincula a educação a prerrogativas mercadológicas globalizantes, com o intuito de formar indivíduos pretensamente consumidores e competitivos. Nessa dimensão, a escola se redefine como o espaço democrático de elaboração de valores, de tolerância e respeito às diferenças, de produção e disseminação de conhecimento e de convivência humana e social, cultural e política. Essa visão concebe, portanto, sujeitos de direitos cuja formação tem por objetivo proporcionar graus sempre crescentes de cidadania e de humanização.
A Universidade tem a tarefa de formar agentes culturais mobilizadores que usem a educação como instrumento de luta pela ampliação dos direitos humanos e pela consolidação da cidadania.
Todavia, o contexto sócio cultural no Brasil tem demonstrado, historicamente, que a educação, apesar das intenções preconizadas, não tem sido um direito exercido por todos os brasileiros
As classes populares, no Brasil, sempre estiveram à margem do poder. Em conseqüência, as aspirações populares, em matéria de educação, não encontram ressonância: a educação é eminentemente elitista e antipopular.( GADOTTI:1981,p.5)
Diante da clara incapacidade orgânica do capital em democratizar o imenso avanço das forças produtivas e da crescente tendência do monopólio privado da ciência e da tecnologia, FRIGOTTO (1998) afirma que
O papel dos processos educativos tem sido a produção de cidadãos que não lutam por seus direitos e mais que isto, para não correrem o risco do desemprego diante da reestruração produtiva, consideram como tábua de salvação o consenso passivo ?trabalhar menos para que todos trabalhem?. (FRIGOTTO 1998: 25-51)
Assim sendo, as propostas de educação básica e formação técnico-profissional, sob o ideário das habilidades e competências para a empregabilidade, requalificação e reconversão, como postas hoje, são desvinculadas de uma proposta democrática e pública de desenvolvimento que integre um projeto econômico, político e cultural com uma clara geração de empregos e renda.
Quando nos reportamos à questão da democratização do ensino superior constatamos que poucos são os estudantes que, egressos do ensino médio, alcançam este direito. Os processos de seleção, de forma elitizada, privilegiam os que tiveram acesso às instituições privadas e, portanto, se encontram mais preparados para prestar os concursos vestibulares.
Os dados publicados pelo INEP ? Instituto de Estudos e Pesquisas do Ministério de Educação e Cultura (MEC), em 1998, apresentaram o percentual de alunos absorvidos pela rede pública comparado ao total de estudantes matriculados nos diferentes níveis de ensino, conforme podemos observar na tabela abaixo.
Tabela : Matrículas realizadas em 1998 ? Brasil
Nível de Ensino-----Fundamental
Total de Matrículas-----35.838.372
Rede Pública-----32.440.120
%-----90,5
Nível de Ensino-----Médio
Total de Matrículas-----6.967.905
Rede Pública-----5.740.611
%-----82,4
Nível de Ensino-----Superior
Total de Matrículas-----2.125.958
Rede Pública-----804.729
%-----37,8
Fonte: INEP/MEC 1998
Percebemos nesta tabela a proporção de alunos matriculados na rede pública, no que se refere ao ensino fundamental, expressa significativa inserção de crianças brasileiras na escola, não muito diferente daquela relacionada a crianças e adolescentes matriculadas no ensino médio. O mesmo não acontece com relação ao ensino superior cujo número apresenta um decréscimo acentuado que ganha maiores dimensões quando fazemos a relação entre os alunos ingressos no ensino fundamental e aqueles que conseguem ingressar no ensino superior.
Mais recentemente, as estatísticas oficiais do INEP (2002) divulgaram que, em 2001, esta pequena porcentagem de ingressos na rede pública de ensino superior decresceu ainda mais, baixando de 37,8% para 30,98%, o que pressupõe uma parcela considerável de estudantes excluídos das instituições de ensino superior público.
De acordo com ALMEIDA (2000), a crise estrutural do sistema educacional brasileiro não permite a universalização do ingresso na educação escolarizada. Em razão das condições objetivas da luta pela sobrevivência, que obriga grande parte da população a optar pelo trabalho, a política educacional no Brasil mostra-se atualmente atravessada por um forte traço assistencial com programas focados nos diferentes segmentos das classes subalternizadas.
Seja pela dificuldade de se conciliar trabalho e escola seja pela perda de atrativo social da escola no que diz respeito às possibilidades reais de ascensão social via estudos ou ainda, em razão de que as alterações na esfera da produção acabaram por deslocar certos processos de qualificação da mão de obra, através de conhecimentos e informações, da escola para as próprias unidades produtivas ou por todos os fatores combinados, o fato é que a escola vinha se esvaziando qualitativa e quantitativamente de forma cada vez mais acelerada. Daí o conjunto de ações assistenciais que foi tomado para mudar esse quadro, inclusive na esfera da educação superior, onde são extremamente elevados os índices de evasão, chegando a cerca de 50%. (ALMEIDA, 2000,p.73)
A educação ainda não se tornou direito de todos, forjando-se um quadro extremamente injusto e desigual tanto no campo das oportunidades de acesso a níveis cada vez mais complexos de ensino, quanto no campo da qualidade de oferta dos serviços educacionais existentes no país. Podemos ainda afirmar que as condições socioeconômicas dos alunos das IES públicas refletem uma realidade semelhante àquela a que é submetida a população brasileira.
De acordo com dados do PNAD / IBGE (1999) ? Plano Nacional de Amostragem por Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 9,9 milhões de famílias brasileiras, em 1999, tinham renda mensal de R$ 183,81 e, se considerada a média de 4,7 pessoas por família, identificavam-se 46 milhões de pessoas com uma renda mensal de R$ 39,11. Em 2001, o PNAD / IBGE constatou que 27,3% da população brasileira não tinha renda suficiente para garantir uma alimentação satisfatória.
Além disso, os dados do Censo 2000, divulgados pelo IBGE, apontaram que, na década de 90, o porcentual de famílias sob responsabilidade feminina aumentou de 18% para 24,9%. As mulheres já constituem a maioria da população brasileira (86,2 milhões dos 169,8 milhões de habitantes).
Na comparação com o Censo de 1991, houve aumento do número absoluto de crianças brasileiras de zero a seis anos vivendo em casas chefiadas por mulheres pobres -com renda mensal de até dois salários mínimos. O número passou de 1,7 milhão de crianças para cerca de 2,3 milhões em 2000.
Tal quadro social indica que, para milhares de estudantes universitários a renda familiar insuficiente não garante os meios de permanência e término do curso o que pode levar, muitas vezes, ao baixo rendimento acadêmico e até mesmo à evasão escolar.
Com o objetivo de conhecer o perfil dos estudantes matriculados nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o FONAPRACE[1] - ANDIFES - realizou e publicou, em 1997, uma pesquisa amostral[2] sobre o Perfil Sócio-econômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das IFES Brasileiras. Das 52 Instituições, 44 realizaram a pesquisa, com um percentual de participação de 92,36%, nas quais foram aplicados 32.348 questionários em um universo de 327.660 alunos.
A demanda potencial identificada pela pesquisa, por programas assistenciais nas IFES, foi de 44,29% dos alunos.
Associado a estes dados, de acordo com CURI (1998), o estudo "Diplomação, Retenção e Evasão em cursos de graduação em Instituições de Ensino Superior Públicas", realizado pelo MEC, por meio de um grupo de Pró-Reitores de Graduação, apontou que 40% dos alunos que ingressam na Universidade abandonam o curso antes de concluí-lo.
A SESU ? Secretaria Nacional de Estudo Superior estima que o custo com a evasão no sistema federal é de R$ 486 milhões ao ano. Esse valor, segundo CURI (1998), corresponde a 9% do orçamento anual das Instituições Federais encarecendo e reduzindo a eficiência do sistema.
A ausência de recursos para a manutenção de políticas que busquem criar condições objetivas de permanência desse segmento da população na universidade faz com que esses estudantes, muitas vezes, desistam de seus cursos, ou mesmo, retardem sua conclusão. O FONAPRACE (1997) apontou as dificuldades socioeconômicas de parcela do segmento estudantil, estimadas em 14%, como uma das causas externas de evasão e retenção. Apontou ainda que as Universidades que mantêm programas de assistência e realizam o acompanhamento do desempenho acadêmico destes estudantes, constataram que seu rendimento escolar médio foi igual, estatisticamente, ao dos alunos provenientes de camadas sociais de maior poder aquisitivo. Isto comprova que é compensador investir na melhoria das condições e da qualidade de vida dos estudantes universitários carentes.
Para que o aluno possa desenvolver-se em sua plenitude acadêmica torna-se necessário associar, à qualidade do ensino ministrado, uma política efetiva de assistência, em termos de moradia, alimentação, saúde, esporte, cultura e lazer, entre outras condições. Para o desempenho do seu papel social, o estudante universitário precisa, igualmente, de livros, equipamentos de aprendizagem prática, acesso à informação e oportunidade de participação em eventos acadêmicos e culturais.
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